6 Justificativas para o nascimento da Segurança do Trabalho

Na postagem anterior, O Nascimento da Segurança do Trabalho foi mostrado que a primeira legislação efetiva sobre Saúde e Segurança (SST) no trabalho surgiu na Inglaterra através do Factory Act de 1833 (Lei das Fábricas). E que nela estava o embrião das funções de Inspeção do Trabalho e de Medicina do Trabalho. Mas em qual contexto isso ocorreu? É isso que queremos mostrar nessa nova postagem.

Desde 1760 a Inglaterra vinha passando por transformações sociais e econômicas que incluíam dentre outros, a alteração dos métodos de produção artesanais para o uso de máquinas, o desenvolvimento de novas formas de produzir o ferro, o domínio e uso da energia a vapor como acionadores de máquinas e a substituição da madeira e outros biocombustíveis pelo carvão. Essa fase é conhecida como Revolução Industrial, e o seu aspecto revolucionário é caracterizado pela transformação do mundo com o advento da indústria e da produção mecanizada, com máquinas que produziam muito mais que o trabalho manual e pessoas que vendiam sua força em troca de salário. Essa nova realidade transformou significativamente as sociedades humanas.

Vamos citar aqui 6 fatos que justificam e tornaram necessário a criação de algum mecanismo de controle das condições de saúde e segurança no trabalho. Seriam eles:

1) A AGLOMERAÇÃO DE PESSOAS NAS FÁBRICAS

A produção ocorria anteriormente através das oficinas artesanais, que eram controladas pelo Mestre Artesão, que impunha limites ao número de aprendizes e à quantidade dos que trabalhavam com ele. Essa primeira forma de produção industrial, que apareceu no fim da Idade Média também possuía limites no seu espaço físico, pois as oficinas ficavam muito das vezes na própria casa do artesão. Ele também controlava as etapas de produção, os meios e as instalações, as ferramentas e a matéria-prima.

Quando surgem formas de produzir utilizando máquinas movidas a energia hidráulica ou combustível, elas passam a ser instaladas em espaços maiores (fábricas), e para conseguir operá-las é necessário um número maior de pessoas, sendo que no princípio era muito comum utilizar mulheres e crianças, mas à medida que novos setores econômicos adotaram esse formato de produção, foi necessário um número maior de mão de obra.

Com a produção em larga escala, e maior número de trabalhadores para atuar no processo, se estabeleceu um sistema para a gestão e organização desse novo universo de pessoas trabalhando. E assim foram sendo criadas as formas administrar esse trabalhador, seu papel e função no processo, os tempos, as formas de trabalhar, etc.

Para a área de Saúde e Segurança do Trabalho (SST) é importante lembrar que com a união de pessoas aglomeradas e maquinário movido a vapor, criou-se novas situações de risco, tendo como resultado um aumento significativo dos acidentes nos locais de trabalho. Segundo relatos da época era muito comum andar pelas cidades e encontrar

O trabalho nas máquinas ocasionava um número grande de acidentes que provocavam a incapacidade parcial, total ou à morte. Dos acidentes mais frequentes o corte ou esmagamento de dedo era o mais comum, sendo seguidos da perda da mão ou braço, embora com menor frequência.

2) OS RISCOS SANITÁRIOS ÀS CIDADES E POPULAÇÕES

Uma das ações políticas que criaram a base para o surgimento da mão de obra barata e abundante para as fábricas foi a legislação de anexação de terras (Enclosure Acts) que alteraram a forma de ocupação das terras agrícolas inglesas. O país adotava o sistema de campo aberto, onde a posse de todas as terras era comunal, pertencendo aos senhores e servos, originado na antiga relação feudal. A nova legislação permitiu a ocupação dessas terras comuns e a quebra dos contratos de arrendamento, retirando o pequeno proprietário do local e o direito que eles tinham sobre a terra não valia mais. As terras foram realocadas para diferentes agricultores e senhores. Só que o domínio político dos grandes proprietários de terras determinou o curso das anexações e seu poder no Parlamento lhes permitiram redistribuir a terra em seu próprio favor.

Como não podiam mais viver no campo, essa massa de camponeses expulsos de suas terras se dirigiu para as cidades, e devido a condição de estrema pobreza, aceitavam qualquer tipo de trabalho para sobreviver. Uma das opções existentes era nas indústrias têxteis, outra opção eram as Work Houses mantidas pela Rainha, com trabalhos básicos onde os camponeses trabalhavam com um salário muito baixo. Assim os trabalhadores pobres foram levados em massa para as fábricas urbanas, onde competiam por uma ninharia de salários e viviam em circunstâncias abomináveis.

Cartaz sobre uma das pragas que assolou Londres nos anos da Revolução Industrial
(Cholera Poster in Westminster)

Essas péssimas condições de higiene no trabalho aliadas as péssimas condições sanitárias dos locais de moradia criavam as condições que permitiam surgir epidemias de diversas doenças, que afetavam também a população das cidades próximas a essas fábricas. Foi a pressão dos segmentos da opinião pública mais esclarecidos e influentes, preocupados com essa nova classe de escravos, os trabalhadores urbanos, e sobretudo a influência de reformadores sociais, empregadores filantrópicos, médicos humanistas, escritores e políticos liberais, revoltados com essas condições de vida e trabalho, que levaram ao Parlamento inglês a intervir e estabelecer limites à atividade fabril. Assim surgem os Atos Fabris, legislação inglesa de intervenção nas relações de trabalho.

3) JORNADA EXCESSIVA DE MAIS DE 12 HORAS POR 6 DIAS

Outro aspecto que preocupava e necessitava de acompanhamento era a jornada de trabalho. Quando surgiu a grande indústria no final do século 18, os trabalhadores passaram a trabalhar além dos limites do dia natural das 12 horas, pois não mais dependiam da luz do sol. Era comum homens, mulheres e crianças trabalharem mais de catorze horas por dia, por seis dias da semana. O trabalho excessivo foi definitivamente instalado com a abolição dos dias de feriados, sem férias e a semana muito das vezes chegava aos sete dias de trabalho. Durante o trabalho eram permitidas apenas pequenas pausas para refeições precárias.

O cansaço que essas condições de trabalho provocavam contribuía diretamente para o elevado número de mortes e acidentes de trabalho, além do adoecimento de parte dos trabalhadores. Sem equipamentos de segurança e em condições de trabalho precárias, que não permitiam desenvolver suas atividades com respeito aos seus limites, foi necessário que o Parlamento impusesse condições mínimas de trabalho como limite às consequências do trabalho em fábricas. E o responsável por acompanhar essas condições foi o inspetor do trabalho (The Visitor), embrião dos profissionais de segurança do trabalho.

4) AUMENTO DO RITMO DE TRABALHO E DOS ACIDENTES

A intensificação do ritmo de trabalho provocado pelo uso de sistemas de mecanização e o uso da energia do vapor no acionamento das máquinas, foram dois fatos que impulsionaram a produção em larga escala na Revolução Industrial. Com o ritmo mais intenso da produção, os problemas de segurança na atividade, o adoecimento e as mortes no trabalho se transformarem em problemas de saúde pública.

É uma combinação fatal: trabalha sem descanso e num ritmo intenso. Essas duas condições criavam a condição ideal para que acontecer uma verdadeira epidemia de acidentes. Um trabalhador cansado com certeza terá menor chance de evitar um acidente, pois tanto o sono, como o estado de vigília enfraquecido pelo cansaço provocam alterações metabólicas e acarretam uma variedade de eventos fisiológicos e comportamentais, que influenciam o trabalho em situações perigosas.

Andando pelas ruas de Londres frequentemente se encontrava mutilados pelo trabalho.

5) PROIBIÇÃO DOS TRABALHADORES SE ASSOCIAREM

A legislação do trabalho do início da Revolução Industrial, negava aos assalariados o simples e elementar direito de associação através dos Atos Combinados (Combinations Acts, 1780, 1799, 1825). Havia um medo de que medo os trabalhadores atacassem e forçassem o governo a atender às suas demandas. Isso levou as organizações trabalhistas à clandestinidade. A simpatia pela causa dos trabalhadores provocou a revogação dos atos em 1824, mas como houve uma série de greves após a revogação, foi aprovada uma nova Lei de Combinações em 1825, que permitia o funcionamento dos sindicatos, mas restringia severamente sua atividade.

Nesse início da industrialização, com um processo de trabalho extremamente abusivo e com a organização dos trabalhadores proibida, a luta política não contava com nenhuma organização de classe, então muito dessas legislações foram defendidas e aprovadas por razões de saúde e humanitárias.

Movimento e Reinvindicações de Trabalhadores.

6) CONDIÇÕES DE TRABALHO DEGRADANTES

As primeiras leis voltadas para melhoria das condições de trabalho nas fábricas eram direcionadas para melhorias básicas no ambiente. Umas das primeiras leis de proteção de trabalhadores, proposta por Sir Robert Peel, foi a “Health and Morals of Apprentices Act” em 1802, ou “Lei de Saúde e Moral dos Aprendizes”. Essa legislação versava sobre a saúde e o bem-estar das crianças que trabalhavam em moinhos de algodão.

Ela estabelecia as condições mínimas de ventilação dos ambientes da fábrica. Que o “limo” – sujeira deve ser removido duas vezes por ano, com a necessária de limpeza da fábrica. O fornecimento de roupas aos aprendizes, que devem receber duas mudas completas de roupa. Era proibido o trabalho noturno e ficou definida que a jornada não poderia exceder 12 horas por dia. Os empregadores eram responsáveis pelo tratamento de doenças infecciosas.

Para garantir que as fábricas cumprissem essa legislação, havia previsão de um inspetor das condições do trabalho para verificar o ambiente fabril. Essa foi uma lei que não pegou, mais como não foi regulamentada a inspeção, não era verificado o cumprimento das disposições. Isso só iria acontecer em 1833 com os Factory Acts.

TRADUÇÃO DO TEXTO NA IMAGEM DE ABERTURA DO POST

* Extrato de um relatório de Inspetores de uma Fábrica. Fonte: British Parliamentary Papers (1836)

Meu senhor, no caso de Taylor, Ibbotson & Co., peguei as evidências da boca dos próprios garotos. Eles me disseram que começaram a trabalhar na sexta-feira de manhã, 27 de maio passado, às seis horas da manhã, e que, com exceção das horas das refeições e uma hora à meia-noite, eles não pararam de trabalhar até às quatro horas do sábado tarde, tendo sido dois dias e uma noite assim comprometida. Acreditando que o caso dificilmente era possível, perguntei a cada garoto as mesmas perguntas e de cada um recebi as mesmas respostas. Então entrei no escritório para olhar o livro de horas e, na presença de um dos Mestres, referi-me à crueldade do caso e afirmei que certamente deveria puni-lo com toda a severidade em meu poder. O Sr. Rayner, o médico certificador em Bastile, estava comigo na época.

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